Aprender é deixar de estar, suspender, e agarrar o que é novo como se fosse tudo. Este desequilíbrio vai sendo mais consciente, do mesmo modo que o trapezista ganha noção do que faz e do que não faz com o passar dos anos.
Ensinar da maneira tradicional parece, por isso, inevitável. É assim que a absolutidade do que diz o professor não pode ser contestada. Ele é o símbolo do não ignorar, e o que diz não deve ser contestado antes de ser compreendido. É o que se diz.
Disto se extrai que quem não compreende não poderá, em caso algum, contestar. Isto implica uma forma aristocrática de ver a aprendizagem. Uma elite que compreende e uma prole que não compreende e não sabe explicar o porquê de não compreender. Esta desigualdade amplia a abrangência dos princípios económicos do capitalismo. Aprender é deter uma permissão de usufruir de uma propriedade privada. Então, só quem foi iniciado na arte do ocultismo poderá ter a palavra. É esse o significado do oculto: permitir o seu conhecimento apenas a iniciados. Uma turma é, neste caso, um clube reservado a gente que compreende. Esta moral de caserna existe em instituições sociais que desprezo, como as praxes ou as seitas.
Isto é mau, mas pode ser pior. Compreende o que o professor diz, ou compreende o professor? Isto é bastante equívoco, porque se a obra de arte se separa do artista, o conhecimento não é tão objectivo. A bem dizer, nem a arte o é mas apenas deve sê-lo. Um caso disto é aquele em que o professor ensina apenas aquilo que conhece profundamente, ou sobre o qual tem obra publicada. Está claro que o nível de apropriação do objecto investigação não pode ser o mesmo do nível de ensino. Está patente a virtude das visões gerais sobre um problema, de que o comparatismo quase descritivo pode ser um bom exemplo. A distância subjetiva que se pede ao historiador é ainda melhor.
Porém, é difícil rejeitar completamente a verdade comum de que há mestres e aprendizes, embora seja apenas uma imagem naturalista. É - nos ensinada desde que somos pequenos, e é basicamente o pressuposto da educação formal a que, de forma alegada, todos temos direito. A evidência experimentada dos mestres-escola também nos ajudou, por outro lado, a emendar o seu trabalho e o alcance dessas figuras austeras.
É que todos somos mestres e aprendizes na vida. No entanto, podemos aceitar que na técnica propriamente dita um artesão com mais anos de dedicação tem maior domínio do ofício. A sua experiência pode ser contestada por ser falsa, mas se for verdadeira ela é a base. Há que distinguir claramente o caso substantivo do Sr. Esteves que todos os dias coze o barro há 40 anos, do caso formal. Este último é, segundo o erro habitual, o alicerce das instituições de ensino em níveis hierárquicos de senioridade. A antiguidade é um posto, mas não deve sê-lo, ao contrário do que se passa por tradição, movimento sem explicação, nos ambientes secretos, místicos e para-militares que mencionei. Volto à turma. Quando - e não apenas se - o aprendiz de feiticeiro consegue fazer um melhor efeito do que o seu professor atento (o desatento constitui uma forma frequente de não ser professor) impõe se a este que lho reconheça, e se possível lhe estimule a capacidade ao nível dos interesses e perspectivas do mais jovem, por natureza pessoais e intransmissíveis entre novos e velhos e velhos e novos.
Isto acontece sempre de forma insuficiente nos ofícios e nas escolas. Creio que é a possibilidade real de aproximação de qualidades que estabelece as relações de aprendizagem. Tem muito peso a possibilidade real de o novo superar o velho e, consequentemente, haver disso registo público. O que nos leva às notas como resposta externa e à publicidade das comunicações relevantes. Finalmente, isto tem a ver com a ideia liberal de sociedade. Isto deixa de fora alguma formas da mediocridade, em que não se pode aprender nada que seja capaz de influenciar este género de propósito. Isto é não abrir portas à utilização da relação com propósitos de vantagem inapropriada.
Dito isto, as fábulas repetidas, como a das uvas verdes e da raposa matreira, são motes de conservação que servem para sossegar os artesãos sem prática do seu ofício. Há, na verdade, uma distinção importante entre as instituições que alimentam as fábulas, as praxes, etc., gerando de forma supostamente espontânea um metadiscurso de fórmulas em latim, e as outras, que activam as novas gerações. São realistas, sem serem monárquicas, e autênticas, sem inventarem tradições.
Os arabescos barrocos são invenções do agora para legitimar um passado inventado. Os neo conservadorismos não existem de facto, mas parecem existir. São novidades antigas, mais antigas e mais recentes do que o saudosismo português. É uma evidência geral que os mais novos contam com uma vida mais durável, apesar da experiência precária da sua vida. É assim porque os mais velhos já contaram com ela, visto que já foram jovens. Negar esta redução é clarificar que nunca se foi novo. Ser novo é criar, agir, participar.
Só é velho quem já foi novo, de verdade. Quem nunca realizou terá nascido velho? Não se sabe. Mas é preciso afirmar que não detém nenhum título privilegiado para vedar acesso à rapaziada. Mesmo que aguarde sentado há muito tempo.
João Freitas Mendes
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