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A Arte no Direito

Direito e Arte: uma contraposição.

Não é comum pensar-se em Direito quando a matéria discutida é Arte.

São duas estruturas profundamente distintas, cuja única semelhança reside, à

primeira vista, em factores temporais e espaciais.

Porém, também estes dois mundos oferecem uma dimensão tangente, quando nos

aventuramos na sua análise. Ambos são concepções abstractas assentes em

conceptualizações permeáveis à subjectividade. Mesmo no Realismo, durante a

observação e apreciação de uma obra, cada qual amplia os aspectos que mais lhe

relevam. Assim acontece com o Direito - os fenómenos sintáticos e semânticos que

[inclusive] inspiram os problemas da interpretação da lei abrem portas a que vários

cenários decorram da mesma estrutura frásica. Por essas portas caminha

inevitavelmente a subjectividade, que com trabalho e know-how deve o jurista

habilmente ligar ao que em mãos tem, afastando quaisquer pretensões

personalistas. São mundos simbióticos com a realidade em que decorrem na

medida em que bebem do tempo actual, solidificando a sua evolução e incluindo na

sua fisionomia novos conceitos emprestados.

Do outro lado levantam-se, evidentes, os pontos escuros entre Direito e Arte. Esta é

valorizada através de tendências sociais ou volatilidades económicas; aquele não

retira eficácia nem valor da mera aceitação social (tal como - queira pensar-se no

‘dever ser’ a que está aliado o Direito - não pode a riqueza comprar leis). Aceite ou

cancelada por nichos, a Arte não pede o acordo da maioria. Há uma beleza que é

livremente proclamada e que reside na diferença, na ‘unidade-versus-o-grupo’, e

no distanciamento das massas e das tendências vulgares. E grande é também este

factor- não está humilhadamente vergada a quaisquer préstimos políticos. Fora

motivos que possam inspirar o teor das obras, a execução destas não é obrigada a

compor harmonizações políticas. Os ofícios da Arte são livres; o indivíduo não é

forçado a seguir um percurso académico específico, estando na liberdade de cada

um a possibilidade de produzir o artístico, seja qual for a forma que este venha a

assumir. Já os aspirantes a juristas veem diante de si um percurso extenso e

carregado de constantes duelos e desafios.

Assim sendo, e considerando estes preceitos, admite-se uma bifurcação do valor

das duas esferas num sentido mais amplo e num sentido mais específico. Não

podemos considerar Direito sinónimo de Arte. Ao primeiro correspondem vários

submundos absolutamente diferentes da Escultura, Pintura, Música e Dança que

dão corpo ao segundo. No entanto, numa perspectiva mais restrita, nomeadamente

isolando metodologias conduzidas a nível processual - interpretação, defesa do

réu, explanação - é evidente a necessidade de um escopo artístico em adição à

costela pragmática já existente no Direito. Da interpretação de um simples

enunciado normativo depende o desfecho atribuído a uma determinada situação.


Para contornar cenários de incerteza, evitar a manipulação linguística (como o que

acontece com a sobre-inclusão e com a sub-inclusão, por exemplo), determinar

qual a direcção a tomar em casos de vagueza, textura aberta, polissemia, incerteza

semântica e/ou frásica é preciso aliar o saber técnico característico do labor do

jurista à vertente poética. É esta que vai unir a lei à vida; que vai encontrar, avaliar e

pesar cada componente, criando uma nova realidade - aquela que sucede ao que já

se conhece. Na sua popular expressão ‘law is reason free from passion’, quererá

Aristóteles desafiar ‘paixão’ a significar ‘subjectivismo’? Afastemo-nos dessa

dimensão com que invariavelmente romantizamos o sentimento. Que nome

daríamos a uma norma extraída de outra ad contrario sensu?

Uma visão mecanicista do Direito permitiria o trabalho da letra da lei nas suas mais

delicadas ambiguidades - os cenários de incerteza?

Apontar para uma eficácia puramente técnica e objectiva num mundo que deriva da

constante mutação, adição e multiplicidade de todas as coisas e pessoas seria

desrespeitar a sua natureza e, inevitavelmente, o seu propósito. O ‘automatizar’ do

Direito nunca respeitará o seu sentido lógico se é neste que se funda a sua

adaptação a cada facto; cada verso. À lei devem ser dadas as cores da vida pois é da

vida que esta trata. Ao jurista nunca deve ser pedido que opere mas sim que

descubra; que crie. E não devemos temer esta virtude - só ao criar pode o jurista

encontrar-se com os verdadeiros significados de um acontecer. Aplicado de forma

puramente literal, passaria o Direito de ciência a simples imposição. Passaria de

poesia a regra. Tornar-se-ia vulgar, pois para qualquer um seria fácil entoar esse

conjunto de palavras. Já a poesia elabora e refina a simples reprodução.

O seu significado tem o dom da metamorfose e dele usufruem apenas os que a

compreendem.

 
 
 

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