Começava por reiterar o meu profundo desagrado pelo facto de tecer importantes considerações sobre o dia da Mulher com algum atraso, devido a preocupações banais de um jovem estudante universitário. Todavia, mesmo antes de começar a escrever, deparei-me com uma observação crucial: este meu atraso é o mesmo atraso que se observa relativamente a tantas outras situações com as quais as nossas irmãs, mães e avós tiveram de sofrer, e relativamente às quais não houve (e se houve, muito pouco) progresso. Atraso relativamente a questões do mundo do trabalho, onde estatisticamente as Mulheres ganham menos 16.3 por cento, face a Homens que realizam as mesmas tarefas. Nesse mesmo campo, atrasos relativamente a Mulheres em posições de poder, que historicamente pertenceram a tarefas somente realizadas por Homens. Mas quem fala de estas situações perder-se-ia em tantas outras, que demonstram uma aparente estagnação. Todavia, parece-me pertinente referir uma outra questão fraturante, que há dias (para minha pouca surpresa) aconteceu no Reino-Unido. Sarah Everard, mulher de 33 anos, foi encontrada morta em Kent, após ter sido, pelo que tudo indica, sequestrada por um agente de ordem britânico em Londres.
O que se pretende evidenciar, com este exemplo profundamente entristecedor, é a necessidade de nós, enquanto Homens, precisarmos de estar mais a par destas questões, de nos tornarmos mais conscientes face a um mundo de problemáticas que Mulheres, dia sim dia sim, têm de enfrentar. Situações que passam por aqueles piropos estúpidos e francamente nojentos que se ouvem tanto do senhor das obras como de um homem de fato e gravata. Do stress que algumas mulheres sentem quando, mesmo antes de saírem de casa para qualquer tipo de evento ou acontecimento, não saberem bem o que vestir, pelo simples facto de não quererem atrair más atenções. E finalmente, até chegarmos ao exemplo terrivelmente entristecedor de Sara Everard, passaram milhares de situações diárias, em que milhares de meninas e mulheres, de todas as idades tiveram de sofrer e, se nada for feito, continuarão a faze-lo. Tais situações não podem ser esquecidas.
E eu, pronunciando-me como forte feminista que sou, defendo que o Dia da Mulher tanto é um dia para olhar para momentos históricos fortes deste mesmo movimento, como para a vitória das sufragistas em conseguir o direito ao voto. Porém, talvez por ser um pouco pessimista e/ou realista, sinto necessidade de olhar em frente, para encontrar algumas soluções face aos problemas que assombram uma grande parte da população mundial. E, embora achando que maior produção legística possa ser um importante instrumento no combate das desigualdades relativamente a questões do mundo do trabalho, que são importantíssimas e determinantes para chegar onde o Feminismo pretende, sinto que, e não obstante esse esforço, um outro, no sentido de avançar mentalidades é essencial neste momento, sobretudo para nós, Homens. Esta luta não precisa de ser radical, precisa de ser conquistada no plano da ideologia, com um manifesto não muito complexo - a ideia de Homens e Mulheres devem ser iguais, na maior parte das questões. Kant (ideia que vai buscar, em parte, a Jesus Cristo) não deixa de ser uma estrondosa ajuda neste campo, visto que os seus imperativos categóricos delimitam aquilo que o movimento feminista, de base, sempre pretendeu. Termino assim esta pequena reflexão referindo-me tanto a um filósofo e a uma figura religiosa, ambos Homens, que embora não tivessem tal ideia em mente, se tornaram profundamente feministas. O progresso, e não o atraso com que comecei, deve ser a ideia-chave no que toca ao dia da Mulher.
Miguel Maria Ribeiro, 12 de março de 2021
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