Quando se considera poeta alguém que só publicou textos em prosa, deve ser algo digno de análise, sobretudo se esse “elogio” provenha de alguém tão ilustre quanto o filósofo Agostinho da Silva.
Durante a discussão sobre a Humanidade ser escrava do trabalho, da tecnologia e do tempo, Miguel Esteves Cardoso afirma que o Homem é “escravo e poeta em cada momento”, ideia da qual Agostinho da Silva discorda, afirmando que o Homem pode ser livre se assim escolher, se escolher ser um poeta livre. Desta forma, existe uma dicotomia entre poeta e escravo, o que me faz pensar involuntariamente na natureza do sublime de ser-se poeta.
Quando pensamos num poeta, é inevitável não o associarmos a uma escrita específica, aos versos e às rimas, mas, pensando mais além, relacionamos também a ideia de liberdade, do poeta ser livre no seu pensar e na sua arte. Alguém que é livre o suficiente para expressar os seus pensamentos e emoções. A forma como olha e observa a vida, e o modo como a vive, pode fazer de alguém, desinteressado dessa arte, um poeta.
Quem disse que eu não sou poeta, mas quem afirma que eu o seja? Já escrevi poesias, até elogiadas por professores, dignos de um terceiro lugar num concurso de leitura. Mas desde quando é que algo que eu escrevi no 6.º ano para receber um mero diploma me torna poeta? Não vivo como poeta, não sinto como poeta, não me expresso como poeta. Um poeta não é aquilo que escreve, mas sim aquilo que é. A liberdade experienciada por grandes poetas, como Fernando Pessoa e, como gosto de lhes chamar, as vozes da sua cabeça, Luís de Camões, Florbela Espanca, Sophia de Mello Breyner, e tantos outros, não se compara à liberdade que temos hoje, muitos de nós escravos de uma sociedade que pensa através dos media e das redes sociais.
O filósofo, também ele próprio poeta, afirma que, no ano de 1990, já havia forma de se viver sem se ser escravo, devido ao avanço dos tempos e da tecnologia. Infelizmente, trinta e dois anos após esta entrevista, ainda somos escravos; quem nos escraviza é que muda. Desta forma, a minha visão sobre o tema acaba por pender para o ponto de vista do entrevistador de que no futuro (provavelmente) continuaremos a ser escravos, podendo ser poetas em simultâneo, se assim o desejarmos, considerando assim a total libertação uma visão utópica. No entanto, não posso deixar de esperançar um futuro em que todos sejamos livres, não mais escravos do tempo, não mais escravos do trabalho, não mais escravos das máquinas, não mais escravos das redes sociais e das opiniões que ninguém solicitou, não mais escravos da vida. Que todos possamos ser poetas livres e apaixonados, sem limitações nem discriminações.
Inês Angelino Alves
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